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Tese revela aspectos da crescente presença das mulheres no jornalismo de Brasil e Portugal

Por Mauro César Silveira

Uma luta árdua, que exige abnegação, perseverança e coragem, entre outros atributos. Assim pode ser definida a ocupação, em escala progressiva, do mercado de trabalho jornalístico pelas mulheres, ao final da segunda década do século XXI, após a leitura da tese de doutorado intitulada Jornalismo e feminização da profissão: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal, da jornalista e professora Ana Paula Bandeira. Editora do site Jornalismo & História a partir deste mês de outubro, a autora esquadrinha os aspectos da crescente presença das mulheres nas redações de quatro publicações dos dois lados do Atlântico. A análise comparativa entre os brasileiros Diário de Pernambuco e Super Notícia e os portugueses Diário de Notícias e Correio da Manhã revela que a feminização do Jornalismo é proporcional à precarização das condições de trabalho.

A mudança do perfil profissional – atualmente, 64% da categoria é constituída por mulheres no Brasil e 48,2% em Portugal – altera as dinâmicas profissionais, mas cobra um preço elevadíssimo: o sacrifício das vidas pessoais e profissionais. “Eu estava a falar com uma colega que por acaso teve uma bebê há pouco tempo, e ela estava a dizer que não quer falhar em casa, e não quer falhar aqui, então eu acho que fazer essa gestão é complicado”, observa uma jornalista lusitana sobre seu dilema de ter ou não filhos. Uma profissional brasileira que vive a experiência de ser mãe atesta: “Depois que tive filho, passei a me sentir às vezes muito angustiada porque eu queria me dividir, ser uma boa mãe e uma boa profissional. Às vezes eu entrava em transe. Aquela loucura porque você queria dar uma assistência melhor em casa, mas não podia porque tinha que viajar, tinha que sair, isso é complexo, é um negócio bem complicado. Não foi fácil, não. Foi muito difícil.

Imagem: Nieman Journalism Lab

A pesquisadora ouviu 28 pessoas – 15 mulheres e 13 homens -, com cargos considerados de chefia intermediária – editoras e subeditoras – e constatou que a herança de uma sociedade historicamente patriarcal afeta homens e mulheres nos locais de trabalho. Mais: a questão de gênero é considerada um “não assunto”. No parágrafo final da tese, Ana Paula Bandeira afirma que “distante de finalizar a discussão, percebemos, ao contrário, que, se há uma conclusão, é a de que o tema gênero precisa ainda ser muito pensado e problematizado no mundo dos jornalistas.” Orientado pelo professor Alfredo Vizeu, o trabalho foi aprovado em sessão pública realizada em Recife, no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em 26 de junho de 2019. Vale a pena ler o texto, que pode ser conferido, na íntegra, aqui.

A tese de doutorado Jornalismo e feminização da profissão: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal
também apresenta um painel histórico da inserção das mulheres no mundo do trabalho ocidental, particularmente no Jornalismo, dialogando com outras pesquisas que contribuem para a recuperação da importância das mulheres na evolução da atividade profissional. É o caso da dissertação de mestrado intitulada O auge de Nellie Bly: uma jornalista estadonidense no final do século XIX, de Natália Costa Cimó Queiroz. Esse trabalho pode ser visto aqui.

Repórter Nellie Bly: técnicas de jornalismo investigativo já no século XIX. Imagem: Nellie Bly Library of Congress

Outro mérito de Ana Paula Bandeira é oferecer, novamente, uma narrativa não androcêntrica – necessidade vital apontada por intelectuais como a espanhola Amparo Moreno, desde os anos 80 do século passado, para combater o arquétipo viril como protagonista do discurso histórico. E consolida a trajetória acadêmica da autora, sucedendo a dissertação de mestrado intitulada Jornalismo feminino em Santa Catarina: uma análise do suplemento Donna DC, do Diário Catarinense, defendida no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2012. A íntegra do trabalho pode ser acessada aqui.

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