História,  Jornalismo

Le Monde exibe vigor nos seus 75 dezembros de jornalismo

Por Mauro César Silveira

Concebido pelo general Charles de Gaulle, líder da França Livre – o governo exilado durante a ocupação nazista no país -, o jornal Le Monde chega a 75 anos de existência  revigorado, depois de viver períodos bem tormentosos e que ameaçaram a tradicional independência da redação.

No dia 18 de dezembro, a publicação chegou, pontualmente, às bancas às 13 horas, com a data do dia seguinte – uma característica peculiar mantida até os dias atuais. Lançado após a libertação de Paris, em 1944, o vespertino Le Monde começa o ano de 2020 com sede nova, em portentoso edifício localizado na Avenida Pierre­ Mendès­-France, próximo à Estação de Austerlitz, um dos seis grandes terminais ferroviários da cidade, fato destacado na edição comemorativa de 19 de dezembro. Com uma tiragem de 317.900 exemplares e mais de 200 mil assinantes digitais, o septuagenário jornal exibe um sólido perfil no nervoso cenário jornalístico contemporâneo: aumentou em mais de uma centena o número de jornalistas nos últimos nove anos e inicia o novo ano com uma redação de 452 profissionais. Entusiasmado, o diretor Jérôme Fenoglio, no cargo há pouco mais de quatro anos, declarou a Marc Bassets em reportagem publicada em 22 de dezembro pelo espanhol El País (veja aqui) que “contra tudo o que prediziam, o digital não nos matou; ao contrário, têm nos salvado.

Nem todos os textos e obras que atacam a publicação, como o livro  La face cachée du Monde (A face oculta do Le Monde), dos jornalistas Pierre Péan e Philippe Cohen,  que vendeu milhares de exemplares, parecem abalar a força editorial do jornal francês, ainda mantendo a imagem perseguida por Charles de Gaulle nos estertores da Segunda Guerra Mundial de construir um “jornal de prestígio”. Os bons resultados obtidos tanto no impresso como no meio digital se devem à qualidade do material jornalístico, ainda privilegiando artigos em profundidade ou reportagens não submetidas à estrutura hierarquizada da notícia. “A mentalidade aqui, sempre, é pensar, isso nos protege“, assegura Fenoglio na mesma matéria do El País.

IDENTIDADE AMEAÇADA

O ideal do fundador Hubert de Beuve-Méry, que dirigiu a publicação até 1969 e sempre defendeu a independência editorial e o “exercício da liberdade a serviço do jornalismo de alta qualidade”, continua sendo arguido pelo atual diretor, mesmo com as turbulências ocorridas desde 2010, quando novos acionistas mobilizaram a redação, temerosa de interferências nocivas ao trabalho jornalístico. A mais recente envolveu a aquisição, em 2018, de parte do controle da empresa que edita o Le Monde pelo bilionário tcheco, Daniel Kretinsky. Os jornalistas se manifestaram contra essa ameaça através de uma carta aberta assinada por toda a redação. Apesar disso, o atual diretor Jérôme Fenoglio garante que os princípios de Beuve-Méry continuam pautando os trabalhos do jornal, como ele afirmou na semana passada à repórter Lígia Anjos, correspondente da emissora portuguesa TSF Rádio Notícias em Paris: “A identidade da redação não mudou. Temos uma redação cujas raízes e modo de funcionamento são associados à sua independência, à sua liberdade, a uma forma de fazer jornalismo de grande qualidade. Isso não mudou. As maneiras de fazer este jornalismo evoluíram e os suportes através dos quais fazemos este jornalismo – tanto quanto a maneira como os leitores têm acesso à informação – mudaram radicalmente. No entanto, a identidade e o que implica ser um jornalista do Monde, assim como a importância consequente desse jornalismo para a sociedade, não mudou.

Fenoglio  considera que os novos tempos não afetam a essência do Le Monde: “Quanto mais avançamos na era digital, mais artigos escrevemos. Temos menos artigos publicados em papel, mas mais artigo nos diferentes suportes, o que nos leva a uma grande produção que está associada ao fato de termos sempre defendido uma redação generalista, que trabalha sobre todos os temas de atualidade e que é composta por muitos jornalistas. Hoje somos quase quinhentos jornalistas, o que faz com que a produção editorial seja intensa” .A íntegra da entrevista, intitulada Le Monde festeja 75 anos com três milhões de artigos publicados, pode ser acessada (em texto e áudio) aqui.

MOMENTOS HISTÓRICOS

O primeiro número do Le Monde chegou às bancas de Paris e das principais grandes cidades de França destacando a assinatura de um tratado de “aliança e assistência mútua” entre a França – recém-libertada da ocupação nazista – e a antiga União Soviética. Esta primeira edição resumia-se a uma única página, com frente e verso.

 

Algumas capas foram emblemáticas, como a de 13 de setembro de 2001, que anunciou o editorial intitulado “Somos todos americanos”, em solidariedade com os quase três mil mortos nos atentados ocorridos nos Estados Unidos dois dias antes.

 

Outra primeira página representativa foi a de 9 de janeiro de 1996, que registrou a morte do ex-presidente François Mitterrand.

 

OLHAR SOBRE O BRASIL 

Uma entrevista concedida a  Érika de Moraes pelo mediador dos leitores do Le Monde, Franck Nouchi, sobre a cobertura do Brasil no jornal francês foi publicada no volume 41, de 2018, da Revista Brasileira de Ciêncas da Comunicação (Intercom) e pode ser acessada aqui.

 

 

 

 

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