Entrevista,  História

Um legado da tragédia anunciada em Urussanga

Livro conta a história de acidente em mina de carvão que deixou 31 mortos em 1984

Por Natália Huf

Em 10 de setembro de 1984, uma tragédia impactou os trabalhadores da mineração catarinense. A explosão na mina Plano 2, localizada no distrito de Santana, em Urussanga (Santa Catarina), causou a morte de 31 mineiros. A história desse acidente e a memória dos sobreviventes está agora registrada em livro do professor de História e escritor Bruno Mandelli, lançado na última terça-feira, 20 de abril.

O livro A explosão da Mina Santana: uma tragédia anunciada é fruto da pesquisa desenvolvida pelo autor em jornais da época, entrevistas com sobreviventes da tragédia e processos judiciais envolvendo as famílias dos mineiros que morreram com a explosão e a Companhia Carbonífera Urussanga (CCU), empresa que administrava a mina. Em 120 páginas, Mandelli trata das condições de trabalho dos mineradores, da memória coletiva dos sobreviventes e das negligências e irregularidades da empresa.

 “Foi um caso de proporções nacionais. Embora com menos mortes, a tragédia se equipara ao deslizamento de Brumadinho e ao soterramento dos mineiros no Chile.”

Natural de Florianópolis, Mandelli hoje reside em Criciúma, no sul do estado de Santa Catarina. Ele conta que o interesse pelo trabalho dos mineradores vem da pesquisa de mestrado: “Já vinha pesquisando acidentes de trabalho na mineração, mas, um dia, no Sindicato dos Mineradores de Criciúma, me deparei com uma caixa cheia de jornais da época, com a cobertura sobre essa explosão da mina de Santana. Tive a sorte de encontrar muitos desses jornais já reunidos, por acaso”. Além disso, há uma ligação afetiva com o tema: o avô de Mandelli trabalhou em minas de carvão.

Imagem publicada no jornal O Estado em 11 de setembro de 1984 reproduzida na página 51 do livro: importância da imprensa como fonte para a história

“Gosto muito de trabalhar com jornais como fonte. O jornal O Estado, que hoje não existe mais, fez uma excelente cobertura da explosão da mina, enviou jornalistas para Urussanga durante todo o mês, e esses jornalistas enviavam as matérias para o jornal, que ficava em Florianópolis”, diz o historiador. O caso também teve repercussão em veículos de outros estados da região Sul, como o jornal gaúcho Zero Hora, e em revistas de circulação nacional, como a Veja. “Foi um caso de proporções nacionais. Embora com menos mortes, a tragédia se equipara ao deslizamento de Brumadinho e ao soterramento dos mineiros no Chile.”

Além das matérias jornalísticas, Mandelli entrevistou cinco dos sobreviventes da explosão e a viúva de um dos mineiros que não resistiu. As conversas com esses personagens, segundo o autor, foram permeadas por memórias e emoção ao falar do acidente: “Os sobreviventes foram mineiros que ajudaram no resgate dos corpos, viram os colegas de trabalho feridos e mortos. Uma característica dos mineradores é a solidariedade e amizade que eles formam nas minas, um ajudando o outro, é uma irmandade, por ser um trabalho muito perigoso. Eles ainda guardam muita emoção ao falar dessa história”.

Até hoje a mineração é classificada como o trabalho mais perigoso do mundo pela Organização Internacional do Trabalho 

As memórias dos sobreviventes, porém, não são relatos fiéis do passado. “Há um processo de reelaboração, e as lembranças são afetadas também por elementos do presente”, explica o autor. No caso da tragédia da mina de Santana, os mineiros que sobreviveram veem os colegas que morreram no acidente como heróis, e acreditam que o trabalho na mineração melhorou muito após a explosão; no entanto, não foi o que aconteceu: houve aumento das mortes nos anos seguintes, e a melhora, que veio depois de 1987, foi pouco significativa. Até hoje a mineração é classificada como o trabalho mais perigoso do mundo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). “As lembranças dos sobreviventes são permeadas pela amnésia social e pela tentativa de encontrar uma justificativa, uma razão pela qual os mineiros tenham morrido”, conta Mandelli.

Por isso, o trabalho do historiador — de fazer pesquisas com fontes oficiais, coletar dados, entrevistar pessoas e confrontar as informações com base no método histórico — é tão importante: “Não tenho o objetivo de contar a história oficial, isso é impossível, e é por isso que existem tantas pesquisas e livros sobre os mesmos fatos históricos. No caso da mina de Santana, eu privilegio a visão dos trabalhadores e da comunidade do distrito de Santana, que até hoje sente o impacto desse acidente”.

SOBRE O AUTOR DA OBRA

Bruno Mandelli: opção pela história dos “vencidos” Foto: Acervo pessoal

Bruno Mandelli é mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e está cursando o doutorado, também em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Meu ponto de vista é a partir dos trabalhadores, dos mineiros. Quero contar a história daqueles que foram ‘vencidos’, e no livro eu mostro que a tragédia que aconteceu na mina já era anunciada, devido à negligência da empresa e as muitas irregularidades”, afirma Mandelli, que segue a linha de pesquisa de História Social do Trabalho.

O livro pode ser adquirido tanto pelo site da Editora CRV quanto diretamente com o autor, por meio do Instagram ou Facebook. O exemplar físico custa R$ 35, e a versão em e-book, R$ 28. Mandelli também é autor do livro Das minas de carvão para a justiça: as lutas dos mineiros acidentados de Criciúma/SC, disponível no site da editora Paco.

EXPLOSÃO TAMBÉM ERA PREVISTA EM MINA ESPANHOLA

Outra tragédia anunciada em mina de carvão foi relembrada no sábado passado, dia 17 de abril, na edição do jornal espanhol El País. A reportagem intitulada La maldición eterna del pozo Emilio del Valle, assinada por Juan Navarro e Lucía Tolosa, relata o trauma que perdura entre os moradores da pequena localidade de Ciñera – de apenas 740 habitantes -, na província de León, no norte da península ibérica, mais de sete anos depois da explosão que levou a vida de seis mineiros. Familiares das vítimas denunciam que antes do acidente, ocorrido em 28 de outubro de 2013, eram comuns vazamentos de gás e explosões, sem que os responsáveis pelo empreendimento tomassem providências. Atualmente, tramita um processo na justiça da região exigindo penas de prisão de três anos e meio para os 16 ocupantes dos mais altos cargos da empresa – Sociedad Anónima Hullera Vasco-Leonesa (HVL), fechada em 2019 – e indenizações referentes a seis delitos de homicídio, com “imprudência grave”, e pelos ferimentos causados em outros trabalhadores por negligência desses mesmos diretores.

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2 Comentários

  • Lédio Werá Popyguá

    Minha ordenação em 08 de setembro de 1990 deu-se nesta dara por ser próxima a data da morte de mineiros. É dever nosso contar a história a partir dos vencidos, trabalhadores, mas tb dos povos originários do sul catarinense.
    Temos um legado de injustiças a serem reparados e a academia não pode ser indiferente ao sangue, suor e morte da Região carbonífera e Vale do Araranguá.

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