História,  Jornalismo

Chargistas brasileiros combateram ao lado do Império de D. Pedro II contra Solano López

Por Mauro César Silveira

O jornalismo satírico da Corte brasileira pendeu para um lado na ação militar contra o Paraguai nos anos 1864-1870: apenas o inimigo das forças imperiais foi vítima da ação dos chargistas que atuavam no Rio de Janeiro. Até mesmo o abolicionista e republicano Ângelo Agostini, considerado o primeiro grande caricaturista brasileiro, alinhou-se com o discurso do governo de D. Pedro II. É de autoria dele uma das produções mais impressionantes daquele período, O Nero do Século XIX. A imagem apresentava um projeto de monumento ao sadismo do presidente paraguaio Francisco Solano López, que se erguia, imponente, sobre uma montanha de esqueletos, e foi publicada na Vida Fluminense em novembro de 1869.
O alvo predileto dos chargistas dos sete jornais ilustrados era mesmo o primeiro mandatário guarani. Havia, portanto, uma sintonia entre os jornais ilustrados e o discurso oficial: a guerra dirigia-se ao maligno tirano chamado Francisco Solano López, o temido Mariscal, e visava libertar um povo oprimido e sem voz. Como ave de rapina, pronto para fugir com polpudos sacos de dinheiro em suas afiadas garras, o presidente do Paraguai era associado à crueldade e aos maus instintos. Como demônio, aguçava nosso imaginário cristão: somente seria exorcizado nas labaredas do inferno. Duas representações muito fortes que induziam os leitores a considerar plenamente justificada sua perseguição implacável até a morte – como, de fato, acabou acontecendo, no assalto final à Cerro Corá, em 1º de março de 1870.
As 202 caricaturas publicadas pela imprensa ilustrada da Corte moldaram o perfil do maior inimigo do monarca brasileiro, atingindo o país guarani, sua gente e sua cultura. Havia identidade entre a mensagem visual e a justificativa do Império para combater o Paraguai, juntamente com seus aliados – Argentina e Uruguai – da chamada Tríplice Aliança: a bárbara ameaça representada pelo presidente Solano López, com seu suposto projeto expansionista na região do Prata, que precisava ser retirado do poder “custe o que custar”.
Nas 132 referências ao Mariscal, nas legendas que emolduravam os desenhos, construía-se a imagem do oponente do Império: abutre, louco, canibal, monstro, doente, tirano cruel, déspota furioso, algoz, sanguinário, irmão de Satanás, ditador absoluto, entre outras expressões nada lisonjeiras. Já as palavras empregadas em relação ao Brasil, nas mesmas legendas, eram bem mais favoráveis: nacionalidade inteira, gládio da civilização, grande império, honra invadida, missão civilizadora, pátria valente, teto amado, nobreza do pensamento. Mesmo centrando fogo em Solano López, os chargistas acabaram ferindo, de forma letal, a nação inimiga, com prejuízos que venceram a barreira do tempo e ainda são visíveis em 2024. Durante a cobertura brasileira do maior conflito da história do continente americano, muitas outras imagens foram disseminadas com vigor, contribuindo para afirmar visões que revestem a cobertura satírica da guerra contra o Paraguai de uma dolorosa atualidade.

*Pela ordem de lançamento, as sete publicações são estas: Semana Illustrada (fundada em 1860) – Bazar Volante (1863) – Paraguay Illustrado (1865) – O Arlequim (1867) – A Vida Fluminense (1868) – O Mosquito (1869) – e A Comédia Social (1870).

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