História,  Jornalismo,  Resenha

Segredos e abusos obscurecidos pela fé

Como o The Boston Globe trouxe à luz centenas de atos de violência sexual praticados por padres católicos

Por Bárbara Dal Fabbro

A sétima arte não imita a vida, ela a representa, escancara e publiciza. Na obra cinematográfica vencedora do Oscar de Melhor Filme em 2016, como em tantas outras, o aviso prévio “baseado em fatos reais” faz com que o espectador encare a narrativa que se segue como um dado de realidade, como a representação fidedigna de acontecimentos, como a projeção imagética da vida cotidiana.

Spotlight – Segredos Revelados (2015), disponível no Brasil através do canal Claro-NOW e das plataformas de streaming Amazon e UOL, narra a cobertura jornalística feita pelo The Boston Globe, em 2001, sobre casos de crianças molestadas por padres da Igreja Católica. Como tem se tornado uma constante nos filmes desse gênero, que narram grandes e polêmicas coberturas jornalísticas, a escolha do elenco visa passar a credibilidade necessária para que sejam vistos como uma adaptação correta dos acontecimentos para as telonas.

Mark Ruffalo (Michael Rezendes), Michael Keaton (Walter Robbinson), Rachel MacAdams (Sacha Pfeiffer) e Brian D’arcy James (Matt Carroll) interpretam extraordinariamente os quatro repórteres que compõem a enxuta equipe investigativa do jornal. A dinâmica do periódico ainda conta com John Slattery, como o editor Ben Bradlee Jr. (filho do famoso editor Ben Bradlee do The Washington Post), e o recém-chegado editor-chefe Marty Baron, representado por Liev Schreiber, que será aquele a levantar a pauta sobre os padres molestadores em Boston. Outra figura crucial para se compreender todo o andamento dos processos contra a Igreja é o advogado Mitchell Garabedian, vivido pelo multifacetado Stanley Tucci. Vamos acompanhar todos os passos desses personagens e da desafiadora apuração jornalística das graves denúncias. Se você deseja seguir adiante, saiba que este texto contém spoilers.

No início da trama, somos levados a 1976, mais precisamente à delegacia de polícia do 11º. distrito em Boston, Massachusetts, EUA. Dois policiais conversam. O mais velho explica que a mãe está aos prantos, o tio muito bravo e que o padre a estava ajudando, já que é divorciada e tem quatro filhos. O promotor-adjunto pergunta aonde estão e se a imprensa está envolvida, o policial responde que nenhum dos grandes jornais, e que já mandaram o “cara” do Citizen embora. “Vamos manter assim”. O policial mais novo diz que será difícil esconder a acusação dos jornais, quando o mais velho responde: “Que acusação?”. A cena muda e somos levados a uma sala interna com crianças, mãe, tio e um outro padre, mais velho. Este, assegura à mãe das crianças que irá afastar o padre da paróquia. E assim, ambos os padres saem da delegacia em um carro preto. É a primeira vez que ouvimos falar do padre Geoghan.

Damos um salto até 2001, redação do jornal The Boston Globe em meio a uma confraternização de despedida de um dos repórteres mais antigos. Entre piadas e congratulações, somos apresentados a Ben, Robbinson – mais conhecido como Robby -, Mike, Matt e Sacha, e recebemos a informação de que um novo editor-chefe está vindo de Miami. Toda a redação está se perguntando quem é e se haverá cortes. O nome do filme, então, se revela ao compreendermos que Spotlight é a designação dada à equipe que mergulha em longas investigações e produz as reportagens “de fôlego” do Globe, podendo permanecer em pesquisas e apuração por um ano ou mais.

Robby, o coordenador da equipe, vai ao encontro do recém-chegado Baron, a pedido do mesmo, em um restaurante, no final de semana antes de se apresentar à redação. O novato questiona se Robby é de Boston e temos a informação de que muitos da redação o são, que, nesse sentido, parece mais “um jornal local”. Baron pergunta se mudou algo depois da venda para o Times e recebe uma resposta negativa. A equipe Spotlight é apresentada e fica claro que ainda estão procurando a próxima pauta. Baron diz que terá que analisar tudo, mas que sua prioridade é “encontrar um modo de tornar o jornal essencial para seus leitores”. Ao que Robby rebate que acredita que ele já o é.

O editor pede que a equipe seja ainda mais discreta em suas investigações, pois não quer que o cardeal fique sabendo até que tenham uma ideia do que há no caso.

Chega a segunda-feira e o novo diretor de redação é apresentado aos demais editores. Objetivo, Marty Baron se apresenta e pede que todos se apresentem. Após ouvir um pouco de cada editoria, ele questiona se todos leram a coluna escrita por Eileen MacNamara, e que aborda o Caso Geoghan, e como será a sequência. Ben responde que é uma coluna e questiona qual tipo de continuação está pensando. Baron diz que aparentemente esse padre molestou crianças em seis paróquias diferentes durante 30 anos, e o advogado das vítimas, Mitchell Garabedian, alega que o cardeal Law sabe disso há 15 anos e nada fez; documentos o comprovam. Ben rebate que tais documentos são confidenciais.

Baron persevera que o fato é: há um padre que molestou 80 crianças, o advogado tem provas, e que o jornal escreveu apenas duas matérias em seis meses. Insiste que parece um fato essencial para um jornal local. Ele alega não conhecer as leis do estado (Massachusetts), mas propõe ir ao tribunal, que o jornal faça uma petição para que a Igreja torne esses documentos públicos. Uma decisão bastante corajosa para seu primeiro dia. Robby, Ben e Mike se reúnem, colocam o repórter (Mike) a par da decisão, e este se mostra bastante empolgado. Ben insiste que fizeram a cobertura do caso quando este veio à tona três anos atrás.

A partir de então, o Caso Geoghan é entregue à equipe Spotlight para averiguação e apuração de fatos e documentos. Robby recorda-se do caso Porter, bastante parecido, ocorrido há 10 anos em Fall Rivers. O editor pede que a equipe seja ainda mais discreta em suas investigações, pois não quer que o cardeal fique sabendo até que tenham uma ideia do que há no caso.

O editor-chefe Baron vai até o diretor-geral do jornal dizendo que quer contestar a confidencialidade dos documentos do Caso Geoghan. Seu superior o questiona se tem certeza que quer processar a Igreja, pois 53% dos assinantes são católicos. A resposta de Baron é: “Acho que eles vão se interessar”.

Sacha e Robby vão até o escritório do advogado do Caso Porter. Eric Macleish os recebe e fica claro que se conhecem. Ao ser questionado sobre o caso e possíveis acordos entre as vítimas e a Igreja, Eric se esquiva, dizendo que são “casos de merda”, com prescrição de três anos, e que, mesmo que vençam, a Lei de Imunidade a Instituições Beneficentes limita a indenização em 20 mil dólares. Sacha surpreende-se com o valor da indenização por abuso infantil. O advogado diz que o melhor caminho seria levar as vítimas à mídia, mas que não acredita que Mitchell Garabedian o fará e que ele não tenha nada contra o cardeal.

Mike Rezendes vai atrás de Garabedian para entender quais revelações esses documentos podem conter e que ajudem o Globe a “contar essa história”. Depois de um “chá de cadeira” de uma hora, invade a sala do advogado. O início entre eles é bastante tenso, o advogado diz que não pode mostrar os documentos da Igreja por serem confidenciais e que a instituição católica quer que ele seja cassado. Mike insiste na importância da história e que o Globe tem o poder de que todas as pessoas fiquem sabendo dela. Então, segue-se uma das falas mais emblemáticas do longa, Garabedian calmamente diz: “A Igreja pensa em termos de séculos, Sr. Rezendes. Acha que seu jornal tem recursos para encarar isso?”. Mike afirma que sim, é persistente e pede para conversar com as vítimas, o advogado diz que irá pensar.

Acompanhamos funcionárias dos arquivos do Globe realizando a pesquisa prévia em matérias publicadas sobre o caso, a pedido de Matt Carroll. A redação toda está querendo saber se a equipe procede investigação sobre a Igreja. Sacha levanta o nome de Phil Saviano, de uma organização de vítimas, Rede de Sobreviventes Molestados por Padres (SNAP, em inglês). Matt acha outro padre nas matérias, Liam Barrett, que molestou crianças na Filadélfia, foi transferido para Boston, e pelo mesmo motivo foi transferido novamente. Jim Sullivan, um advogado amigo de Robby, foi indicado pela Igreja para ajudar a solucionar o caso.

“Quando você é uma criança de uma família pobre, religião conta muito. E um padre prestar atenção em você é o máximo… É como Deus pedindo sua ajuda”. Phil Saviano, uma das vítimas

Robby questiona Jim sobre Barrett e ele o descreve como “ovo podre” e que a Igreja resolveu o caso. O editor tenta tirar mais informações e o advogado diz que não pode comentar os casos, que sabe sobre o processo e que não quer vê-lo “levando bala” para o novo editor judeu do Globe. Quanto mais a equipe investiga, mais nomes são envolvidos e vemos nos rostos dos repórteres questionamentos, inclusive de sua fé. “Acho que devemos começar a ignorar todo mundo”.

Depois disso, o editor-chefe Marty Baron é chamado à arquidiocese para uma reunião com o cardeal Law. O religioso demonstra fascinação pelo ramo dos jornais e relembra passagens vividas em Harvard. O jornalista responde que leu que o religioso foi editor. O cardeal confirma, The Mississipi Register, pequeno jornal da diocese. Diz que se posicionaram sobre os direitos civis e que foi visto como um “intruso intrometido”. Arremata dizendo que Baron verá que Boston é uma cidade pequena em certos aspectos. “Se eu puder ajudar, Marty, não hesite em pedir isso. Eu acho que a cidade floresce quando suas grandes instituições trabalham em conjunto”. Baron agradece e responde: “Pessoalmente, acredito que para o jornal funcionar do melhor modo possível, ele precisa trabalhar sozinho”. Ao final, é presenteado com o “guia do cardeal para a cidade de Boston”, uma edição encadernada do “Catecismo da Igreja Católica”.

Os atores da narrativa vão tecendo relações e acompanhamos esses contatos, às vezes bastante tensos, mas que vão revelando nuances sobre o que pode estar sendo ocultado no caso Geoghan.

Phil Saviano, o líder da entidade representante das vítimas, é chamado à redação, e a apuração que se seguia sobre o Caso Geoghan torna-se mais consistente ao longo do relato do sobrevivente. Phil entrega uma caixa com livros, fotos, relatos e documentos que juntou ao longo dos anos ao investigar o caso. Conta sua história, que foi molestado pelo padre David Holly quando tinha 11 anos, em Worchester. “Quando você é uma criança de uma família pobre, religião conta muito. E um padre prestar atenção em você é o máximo (…) É como Deus pedindo sua ajuda”. Phil diz que a criança vai se sentindo presa e que é difícil dizer “não” a Deus. “Não se trata apenas de abuso físico, mas de abuso espiritual”.

Phil dá mais informações de fontes e nomes e diz que enviou tudo isso há cinco anos para o Globe. Robby contesta e pergunta para quem enviou, o sobrevivente prefere não dizer o nome e diz que, na época, a pessoa expressou não ter interesse. “Vocês precisam entender que isso é grande. Não é só em Boston, é nos Estados Unidos, em todo o mundo, vai até o Vaticano”. A informação de que teria nomes de 13 padres molestadores em Boston faz com que os jornalistas se questionem.

Mike insiste com Garabedian. Revela que a Spotlight está nisso, e pela primeira vez, o advogado parece querer cooperar. As entrevistas com as vítimas começam, e Joe, uma delas, revela a Sacha que não quis dar prosseguimento ao caso devido ao grande número de formulários a preencher e ao baixo valor da indenização a que o advogado se referiu. Ao questionar quem seria o advogado, a jornalista se surpreende: MacLeish. Segundo Phil, ele tratou de “muitos desses casos”.

Nesse momento da apuração, temos quatro padres denunciados. Sacha vai até o fórum para buscar informações sobre os casos. Robby relata a Ben que quer ampliar a investigação, que pode chegar a 13 padres. Mike recebe uma ligação de Richard Sipe, ex-padre que trabalhou num dos centros de tratamento da Igreja, Instituto Psiquiátrico de Seton, em Baltimore, de 1965 a 1970, mas que depois disso, nos últimos 30 anos, estuda padres pedófilos e suas vítimas. “A Igreja quer que acreditemos que são apenas algumas maçãs podres, mas o problema é muito maior. Com base nas minhas pesquisas, eu classificaria como um fenômeno psiquiátrico identificável”.

Matt, nesse ínterim, segue atrás dos dados referentes aos históricos dos padres e das paróquias. Descobre que a arquidiocese lança todos os anos um diretório em que constam todos os padres e paróquias. Expande sua pesquisa até a biblioteca pública para dados antes de 1998. Mike Rezendes conta a Robby sobre a conversa com Sipe, e o editor pergunta porque ele não foi a público. O repórter explica que o ex-padre foi, mas que a Igreja fez de tudo para desacreditá-lo, com campanhas difamatórias e declarações públicas de bispos proeminentes.

“Temos duas matérias aqui: uma sobre o clero degenerado, e uma sobre um bando de advogados que estão transformando abuso infantil em uma indústria caseira. Qual das duas quer que escrevamos?” Robby, o coordenador da Spotlight

A equipe se empenha sobre os diretórios da Igreja, buscando os nomes dos padres denunciados e as localidades em que se encontravam. Percebem que a Igreja Católica remanejava padres molestadores entre suas paróquias sob as designações de “licença médica”, “em disponibilidade”, “afastamento justificado”, “em emergência”, etc.

Sacha retorna do fórum com a informação de que não há nada sobre os acordos entre a Igreja e as vítimas molestadas. Direcionam-se ao escritório de MacLeish e o questionam. O advogado diz que não pode discutir esses casos devido ao acordo de confidencialidade. Percebemos que os casos estão todos construídos de forma que os envolvidos devem “guardar silêncio” sobre eles. As informações não são publicizadas e os documentos seguem confidenciais.

Spotlight também continua despertando interesse na Espanha: canal AXN White exibe na noite de hoje, 16 de outubro, o filme de Tom McCarthy

As conversas entre Mike Rezendes e Garabedian prosseguem e nos presenteiam com as melhores interpretações da situação. Ambos, jantando em um restaurante, falam sobre trabalho e o advogado pergunta se é verdade que o novo editor é judeu, o repórter confirma. “Veja só, ele chega, e, de repente, todos ficam interessados na Igreja. Sabe por quê? Porque é preciso alguém de fora, como eu. Eu sou armênio. (…) Esta cidade, este povo, fazem com que o resto de nós nos sintamos como intrusos. Mas eles não são melhores que nós. Veja como eles tratam suas crianças. Escreva o que eu digo, Sr. Rezendes: se são necessárias várias pessoas para criar uma criança, são necessárias várias para molestar uma”.

Estabelecido o padrão de remanejamento dos padres, a equipe liga para o estudioso Sipe, que diz que, se querem entender mesmo a crise, devem compreender primeiro o voto de castidade. “Só 50% dos clérigos são celibatários. Embora a maioria faça sexo com outros adultos, isso cria uma cultura do segredo, que tolera e até protege pedófilos”. Revela que em 1985, foi coescrito um relatório pelo secretário-canonista do núncio papal, Tom Doyle, em que se calculava que padres pedófilos correspondiam a um bilhão de dólares em processos. “Inicialmente, o cardeal Law ajudou a financiar esse relatório, mas depois deu para trás e o arquivou”.

A tensão segue aumentando entre a equipe a cada informação revelada. Robby questiona sobre a escala de 13 padres molestadores e Sipe afirma que é muito maior quando considerados os 6% da estatística apresentada em sua pesquisa sobre padres que abusam de crianças. Ou seja, tendo este parâmetro como balizador, Boston teria em sua arquidiocese ao menos 90 padres molestadores em atividade. Ao ser apresentado a este número, Ben revida chocado, “como seria possível que as pessoas não soubessem”. Mike responde: “Talvez, saibam”.

Robby, então, propõe que a investigação dos diretórios seja feita de forma diferente, “ao contrário”. Ao invés de usá-los para confirmar os padres de que já têm conhecimento, que busquem pelas designações já corroboradas como aquelas utilizadas para os remanejamentos de paróquias e, assim, usá-las para identificar os padres molestadores. Acompanhamos os quatro jornalistas investigativos debruçados, durante dias, sobre os diretórios, traçando “coincidências” nas transferências de padres entre paróquias e tabelando as informações. E, ao final, chegam ao espantoso número de 87 padres em Boston.

Robby e Sacha voltam a pressionar MacLeish. Perguntam com quantos padres ele fez acordo. Robby diz: “Temos duas matérias aqui: uma sobre o clero degenerado, e uma sobre um bando de advogados que estão transformando abuso infantil em uma indústria caseira. Qual das duas quer que escrevamos?”. E surge uma das maiores revelações: “Já mandei a vocês uma lista de nomes. Para o Globe, anos atrás. Após o caso Porter, recebi muitas ligações. Eu tinha 20 padres só em Boston, mas eu não podia ir atrás deles sem a imprensa. Eu mandei a vocês uma lista de nomes e só deram uma notinha”.

Há, por parte das vítimas, a sensação de que os jornalistas perderam o interesse pela história e, novamente, os fizeram reviver os acontecidos para não dar prosseguimento às denúncias.

No dia seguinte, MacLeish encaminha lista com nomes de 45 padres com quem fez acordo. A equipe está reunida com Ben e Baron, questionam sobre quanto Law sabia. O novo editor-chefe se posiciona, dizendo que acredita que essa seja a história maior. E aqui se dá o direcionamento final da grande investigação e a dimensão real desses acobertamentos. “Temos que nos concentrar na instituição, não nos padres individualmente. A prática e a política. Mostrem-me que a Igreja manipulou o sistema para eles não enfrentarem a Justiça. Mostrem-me que ela colocou os mesmos padres de volta nas paróquias repetidamente. Mostrem-me que isso é sistêmico e que vem de cima para baixo. Vamos atrás do sistema”, instiga Baron.

A trama vai se desenrolando, a investigação prosseguindo, e muitas vítimas dos padres molestadores são levantadas pela equipe Spotlight e entrevistadas. Outras, não estão mais vivas, não tendo conseguido suportar e superar o abuso sofrido. Algumas, porém, recusam-se a falar e são hostis com os repórteres. A surpresa se dá com a entrevista do padre Ronald Paquin. Sacha questiona se ele molestava meninos e ele confirma: “Claro, eu as bolinava. Mas eu nunca me satisfazia. Como eu disse, nunca sentia prazer, é importante entender isso. (…) Quero que fique claro que eu nunca estuprei ninguém. Há uma diferença, eu sei disso”. A repórter questiona: como sabe? “Eu fui estuprado”. Nesse momento, a entrevista é brutalmente interrompida pela irmã, Jane, que bate a porta na cara da repórter e diz para a jornalista nunca mais voltar.

A cena seguinte se passa no tribunal, a juíza Constance Sweeney julga a petição do Globe solicitando que a Igreja torne públicos os documentos confidenciais do caso Geoghan. John Albano representa o jornal, fundamentando seu argumento na Primeira Emenda. Mike Rezendes e Garabedian estão no local. Depois, em uma conversa a sós do lado de fora, o advogado explica ao repórter que seu colega que defende a Igreja, Pete Conley, é o mesmo que tem apresentado recursos para postergar a resolução de seus casos. Do ponto de vista legal, isso permite que Garabedian anexe novamente os documentos confidenciais no processo – independentemente da decisão da juíza – para intimar uma importante testemunha a depor, o ex-padre que relatou, em 1962, a seus superiores, que Geoghan molestava crianças. Era o momento que os jornalistas esperavam para que os documentos viessem a ser públicos!

Ao longo das pesquisas, surge o nome do padre Talbot e Robby se assusta, perguntando se é o mesmo do colégio BC High, que fica em frente à redação, e no qual ele estudou. É revelada uma vítima em Providence cujo nome o editor reconhece. E a descoberta torna a apuração cada vez mais pessoal.

A investigação, que tomava corpo com as entrevistas com as vítimas do abuso, e a possibilidade de acesso aos documentos da Igreja, foi bruscamente interrompida pelo acontecimento da história recente que parou o mundo: os atentados às Torres Gêmeas World Trade Center em 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. Nesse período, toda a redação foi realocada para cobrir os acontecimentos de diversos ângulos e localidades diferentes. Assim, a equipe Spotlight se distancia do caso dos padres molestadores.

Meses separam o início da investigação jornalística de sua publicação e tanto a equipe do jornal quanto as vítimas e seus representantes querem retomar a narrativa. Há, por parte das vítimas, a sensação de que os jornalistas perderam o interesse pela história e, novamente, os fizeram reviver os acontecidos para não dar prosseguimento às denúncias. Em contraponto, há por parte da Igreja Católica, a ocultação de documentos que deveriam ser de acesso público, o que posterga ainda mais a obtenção de informações.

Depois de receber um telefonema de seu editor, Mike retorna às pressas da Flórida, aonde cobria um viés do caso do atentado, para ter acesso aos documentos reanexados por Garabedian antes dos outros jornais. Porém, o fórum está fechado, o que faz com que o repórter durma no local, aguardando sua reabertura. Na manhã seguinte, o funcionário não dá acesso aos documentos alegando serem confidenciais. Mike precisa apelar a um juiz. Enquanto isso, Sacha e Robby vão ao colégio e percebem que todos da diretoria conheciam a “história” do padre Talbot, mesmo que não a corroborem e se esquivem dos questionamentos.

Finalmente, com acesso aos documentos “confidenciais”, Mike faz cópias e corre para o Boston Globe. Os documentos comprovam que o cardeal Law sabia dos abusos cometidos pelo padre Geoghan. Inclusive, há uma carta escrita em 1984 por uma mãe questionando o porquê do padre continuar em sua paróquia mesmo depois da denúncia de que sete crianças de sua família foram molestadas por ele.

O editor-chefe Marty Baron assume que o trabalho jornalístico não é perfeito, que há falhas, e que pode ser aprimorado, mas que nunca se deve deixar de reportar os acontecimentos que se sabe que causarão impacto real nas vidas dos leitores.

Os conflitos internos dos repórteres se mostram em discussões acaloradas e no ímpeto de contar a todos sobre os padres para evitar novos casos, o que não acontece antes da matéria ser publicada. Nesse momento, começam a questionar fortemente a Igreja e a fé em si. Em uma das cenas mais emocionantes do filme, Mike e Sacha conversam sobre isso e como gostariam de um dia voltar à Igreja, como imaginavam que isso seria um “acalento”. Outro ponto crucial é como contar esses casos de abuso, corroborados pela arquidiocese, àqueles como a vó da repórter que são devotos e crentes nos dogmas e ensinamentos professados pela Igreja Católica, e que têm nela um porto seguro.

Os representantes da Igreja seguem pressionando o Globe com a argumentação de “algumas maçãs podres”. Para dar ainda mais força à empreitada da Spotlight, a juíza decide em favor do jornal e retira o sigilo dos documentos. O advogado explica aos editores que há uma tramitação que levará algumas semanas para que a documentação torne-se pública, o que deve acontecer em meados de janeiro. Ben quer publicar com o que têm sobre Geoghan, Robby insiste que não, que a Igreja se desculparia e o assunto “morreria aí”. Acrescenta que tem 70 padres e que só precisa de uma confirmação de alguém do outro lado. Caso ele consiga, Baron concorda em publicar depois do Ano Novo, antes da liberação dos demais documentos pela Justiça. Mike fica encarregado de escrever a matéria e entregar uma prévia até o Natal.

Na noite de Natal, com o prazo se esgotando, Robby visita Jim, seu amigo advogado, e diz a ele que publicarão a matéria e que precisa de uma confirmação dele em uma lista de padres molestadores acobertados pela Igreja. O advogado protesta, diz que estava fazendo seu trabalho. “Sim, você e todos os outros”. Bravo, manda o editor sair de sua casa. Instantes depois, vai atrás do jornalista, confirma que todos sabiam e pergunta aonde ele estava. Pede uma caneta a Robby e circula toda a lista. É a confirmação que precisavam.

Spotlight e editores se reúnem para fechar a matéria. Mike traz a informação de que o cardeal “nem quer saber quais são as perguntas”. Baron inclui isso no texto final. Matt dá a ideia de colocarem as cartas online para que os leitores possam acessá-las. Alinham como serão tratados a segurança e os atendimentos telefônicos, pois no caso Porter houve manifestantes e linhas congestionadas por semanas. E, então, começam a discutir sobre culpa e cumplicidade. É nesse momento da conversa acalorada que fica revelado que, em 1993, o editor que não deu prosseguimento à matéria que falava dos 20 padres denunciados por MacLeish foi o próprio Robby, na época, no setor chamado Notícias Locais.

“Posso falar uma coisa? Às vezes, é fácil esquecer que passamos a maior parte do tempo tropeçando no escuro. De repente, uma luz se acende, e há uma boa porção de culpa para ser distribuída. Não posso falar do que houve antes de eu chegar, mas todos vocês têm feito ótimas reportagens. Reportagens que devem causar um impacto imediato e considerável nos nossos leitores. Para mim, esse tipo de matéria é o motivo de fazermos isso”. Baron, assim, assume que o trabalho jornalístico não é perfeito, que há falhas, e que pode ser aprimorado, mas que nunca se deve deixar de reportar os acontecimentos que se sabe que causarão impacto real nas vidas dos leitores.

A coragem do Boston Globe e a investigação jornalística primorosa da equipe Spotlight causaram uma repercussão gigantesca na cidade. Rompeu-se o silêncio das vítimas e a equipe reportou, em 2002, quase 600 histórias com um número estimado superior a mil sobreviventes e denúncias a 249 padres na cidade de Boston. Em dezembro do mesmo ano, o cardeal Law renunciou à arquidiocese de Boston e foi mandado para a Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma.  Após as reportagens do Globe, o movimento reverberou em todos os Estados Unidos e no mundo, como fica clara na extensa listagem apresentada ao final do filme.

Os dados chocam por sua dimensão e pelo fato de uma das instituições religiosas mais poderosas e influentes do mundo, a Igreja Católica, “velar”, “relativizar” e permitir que padres molestadores contumazes continuassem por décadas a abusar de crianças, aprisionando-as à culpa e vergonha que sentiam e na relação deturpada com a fé e, em consequência, com Deus.

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