Batalhas memoráveis para serem contadas antes de dormir
Álbum El Cabichuí Perdido reafirma cultura paraguaia no dia da independência do país
Por R. Melissa Dos Santos*
O confinamento global virou quase uma oportunidade de tirar o pó de obras literárias adquiridas, que, pela falta de tempo, acabaram formando parte da paisagem ornamental de nossas bibliotecas em casa. O espectro temático de leitura é enorme e as preferências variam de acordo com a ocasião e o público-alvo.
Uma indicação bélica pode ser uma sugestão arriscada, mas vale a pena em coincidência com a comemoração dos 209 anos de independência do Paraguai – um dia como hoje, 15 de maio, de 1811. É muito interessante fazer um repasse dos literatos disponíveis para a leitura sobre a rica história das guerras protagonizadas por nosso país vizinho. É atraente a quantidade e diversidade de formato de obras literárias disponíveis para mergulhar nessas histórias de variada gama bélica. Houve uma Guerra do Paraguai (conhecida como a Guerra de la Triple Alianza pelos paraguaios) entre 1864 e 1870, quando o Brasil, aliado à Argentina e ao Uruguai, combateu as forças comandadas pelo presidente Francisco Solano López. Pela envergadura dessa guerra e pelo impacto nas gerações posteriores ao conflito, muitas produções literárias paraguaias e estrangeiras foram inspiradas nesse evento e nos grandes personagens heroicos envolvidos nos episódios.
Obras se destacam pela linguagem mais acessível para pequenos e grandes leitores e pela força visual das ilustrações, como Epopeya, publicada em 2015, Epopeya II: Binacional, de 2016, Fantasmatorio, de Javier Viveros, sobre a guerra do Chaco, de 2015, e a recente obra icônica – o álbum ilustrado lançado em 2019, El Cabichuí perdido, uma história contada desde as perspectivas vividas pelas tropas paraguaias na Grande Guerra contra a Tríplice Aliança. São 96 páginas, reunindo o trabalho de nomes como Roberto Goiriz, Hugo Lafuente, Gustavo Rodríguez Jara, Edgar Arce, Javier Viveros, ADAM, Juan M. Moreno, Moneco López, Nico Espinosa, Ale Espinosa, Andrés Colmán Gutiérrez, Kike Olmedo, Melki Melgarejo, Carlos Argüello, Fabián Chamorro e Ray Armele – esforço coletivo de destacados humoristas, roteiristas e desenhistas paraguaios, com a colaboração do uruguaio Rodolfo Santullo e o espanhol Isaac Montoya.
QUINZE HISTORIETAS DOS TEMPOS DA GUERRA
O Cabichuí foi um jornal que apareceu pela primeira vez em maio de 1867, menos de três anos depois do começo da guerra, e virou uma legenda da heroica resistência paraguaia contra as forças inimigas. Teve um total de 95 publicações. El Cabichuí perdido aparece agora como o número 96 (o exemplar fictício “perdido”), traz umas quinze historietas da época da guerra e representa uma grande homenagem àquele jornal histórico. No álbum ilustrado, se misturam relatos sobre o passado, narrativas ficcionais de ciência e reflexões sobre o conflito. O propósito da obra é valorizar a rica cultura do Paraguai, a linguagem guarani, o espanhol e o jopara (mistura das duas línguas). É uma forma de emancipação e de defesa da soberania paraguaia.
A leitura pode ser vivenciada em duas etapas: primeiro, percorrendo as linhas de um livro e, segundo, compartilhando o conteúdo da obra. A arte de contar uma história requer um arsenal especial, ainda mais para recriar os cenários do passado que permitam nos transportar para a época e vivenciar aqueles momentos. Geração após geração, histórias que construíram nosso país como leitura antes de dormir, parece um hábito só vistos num filme, mas na verdade é uma realidade empolgante que muitas famílias paraguaias costumam ainda manter viva. Essas produções permitem uma passagem didática, emocionante e orgulhosa pelo passado, que pode ser desfrutada em família e fazer com que a biblioteca de casa seja mais uma joia a ser requerida diariamente.
* Bióloga pesquisadora da UNA (Universidade Nacional de Assunção) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
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