História,  Jornalismo,  Reportagem,  Resenha

O bom jornalismo do clássico de Euclides da Cunha

Por Mauro César Silveira

Bendita Maratona Euclidiana do ano de 2000, em São José do Rio Pardo, no extremo nordeste do Estado de São Paulo. Não fosse aquele encontro, aberto a estudantes dos ensinos fundamental e médio, cumprindo o rito anual de reunir todos os interessados em se debruçar sobre a clássica obra de Euclides da Cunha, e provavelmente não poderíamos contar hoje com o instigante trabalho da jornalista Bárbara Dal Fabbro. Foi ali, naquela semana de estudos envolvendo intelectuais de várias regiões do país, que aflorou seu sentimento definitivo pela epopéia narrada pelo célebre escritor brasileiro, simultaneamente à percepção do jornalismo como possibilidade de vida, conforme ela revela na apresentação do livro. A descoberta da futura profissão e a sensação de que Euclides da Cunha lhe acompanharia por um bom tempo foram provocadas pelo mesmo incontido ardor. Esse momento especial foi decisivo para o resultado final de Os Sertões como livro-reportagem, lançado pela Editora Laços, de São Paulo, em agosto de 2013, durante a Semana Euclidiana. Tão decisivo que a autora prescindiu do sábio conselho de Lygia Fagundes Telles de que um escritor tem que se apaixonar por tudo o que escreve. Afinal, ela já estava apaixonada.

Bárbara Dal Fabbro lançando seu livro em Ribeirão Preto, na Livraria Cultura, em 16 de fevereiro de 2014 Foto: Ricardo Camargo

O entusiasmo que moveu Bárbara Dal Fabbro não abalou, contudo, o caráter acadêmico da obra. Apresentando a metodologia de pesquisa já na introdução, o texto é estruturado em capítulos que sustentam a ideia de que Os Sertões deve ser visto – e estudado – também como um livro-reportagem. Inicialmente, ela nos apresenta o multifacetado Euclides da Cunha, com seu interesse incondicional pelo jornalismo ao lado da opção pela formação em engenharia. Mas prefere, de modo certeiro, dar ênfase à atuação do autor de Os Sertões como correspondente de O Estado de São Paulo na Guerra de Canudos (1896-1897) e à posterior elaboração da sua grande obra literária, publicada originalmente pela Laemmert, do Rio de Janeiro, em 1902. Depois, Dal Fabbro aborda com propriedade as características do gênero jornalístico livro-reportagem e justifica sua opção pelo terceiro capítulo de Os Sertões – “A luta” – para a realização dos estudos comparativos diretos entre o livro e as reportagens publicadas no jornal paulista, expostos no capítulo seguinte. Aliás, os trechos de matérias jornalísticas dispostos lado a lado com as respectivas passagens da grande narrativa constituem um dos pontos altos do trabalho.

O exame das 25 reportagens contrapostas às partes correspondentes do livro permite aferir a consistência da proposta da autora. Fica evidente que, ao redigir Os Sertões, Euclides da Cunha continuou realizando jornalismo. Com mais tempo para o trabalho de apuração, aprofundando pesquisas anteriormente realizadas, com maior independência e, sobretudo, com mais espaço para se expressar, ele pode “dar corpo àquele livro que – como eternizou em sua nota preliminar – denunciaria o crime que foi a Campanha de Canudos”. Quer dizer, uma pretensão – ou melhor, uma pauta – bem jornalística. A materialização do objetivo num texto inegavelmente literário não compromete a premissa. Pelo contrário. Ao considerar Os Sertões como um dos pioneiros – senão o primeiro – do hoje consagrado gênero livro-reportagem, Bárbara Dal Fabbro tem razão quando anuncia que esse reconhecimento representa “dar ao jornalismo brasileiro a possibilidade de refletir sobre si próprio e perceber que as inovações nesse campo não se devem apenas aos estrangeiros”. Igualmente está certa ao concluir que isso significa “uma forma de direcionar sua leitura não mais só como uma obra literária – o que não deixa de sê-lo – mas também, como resultado de um esforço de apuração e cobertura jornalística que, aliado à pesquisa de profundidade, gerou um dos mais belos exemplares do gênero no Brasil”. Melhor ainda: o livro da autora que analisa a conhecida obra sobre a Guerra de Canudos contribui para afastar o falso dilema entre jornalismo e literatura. O bom texto jornalístico, não necessariamente noticioso, pode ter infinitas qualidades literárias. Do cronista Rubem Braga ao repórter Euclides da Cunha.

Com a primeira edição esgotada e fora do catálogo das grandes livrarias, a obra de Bárbara Dal Fabbro ainda pode ser adquirida, por R$ 30,00, através de contato para seu email pessoal: barbara.dalfabbro@gmail.com

 

VEM AÍ A 82ª SEMANA EUCLIDIANA, TRADIÇÃO CULTURAL VIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA

As medidas restritivas impostas pelo combate à Covid-19 em todo o país não vão impedir a realização da 82ª Semana  Euclidiana em São José do Rio Pardo.  Adaptado às atuais circunstâncias, o tradicional encontro será realizado de forma online, entre os dias 9 e 15 de agosto de 2020. Ainda há tempo para inscrições. As pessoas interessadas podem acessar o link da Casa de Cultura Euclides da Cunha ou o Instagram do evento

EXPOSIÇÃO NA BIBLIOTECA NACIONAL PERMITE PASSEIO VIRTUAL

Aberta em alusão aos 110 anos da morte de Euclides da Cunha, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em julho de 2019, a exposição Os Sertões, testemunho e apocalipse também pode ser conhecida virtualmente no atual cenário pandêmico. Os organizadores disponibilizaram no site da instituição um rico material de divulgação do evento, com textos explicativos, 10 slides e 2 vídeos, mostrando o conjunto significativo do acervo relacionado ao autor, com foco na obra seminal Os Sertões. Vale a pena conferir. Abaixo o vídeo introdutório à exposição Os Sertões, testemunho e apocalipse:

AUTOR IMORTALIZOU EPOPÉIA DA PESSOA DO SERTÃO CONTRA A MISÉRIA E O LATIFÚNDIO

Euclides da Cunha retratado no ano de 1900 Foto: Autor desconhecido/Domínio Público/Wikimedia Commons

Um texto estimulante escrito pelo professor titular do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP,  Adílson Citelli, em 2003, destaca a atualidade da obra de Euclides da Cunha. Publicado na revista Comunicação & Educação sob o título Os Sertões: uma epopéia educadora de 100 anos, o artigo destaca a dinâmica interna da obra como reveladora do processo de transformação do ser humano Euclides da Cunha. Sua visão sobre o massacre vai mudando, à medida que a sua sensibilidade de pessoa  que prima pela correção toma contato com o drama dos sertanejos. Citelli considera que Euclides da Cunha imortalizou a epopéia do homem do sertão contra a miséria, a humilhação e o latifúndio. Esse diálogo interno do autor, sua obra e a história permanece como de grande valia para uma reflexão necessária e fundamental dos dias que correm. A íntegra do artigo pode ser conferida aqui.

EM DOMÍNIO PÚBLICO

A obra clássica de Euclides da Cunha está em domínio público. Uma edição de Os Sertões que pode ser baixada é a de 1984 da Editora Três, de São Paulo. Ela integra a coleção Biblioteca do Estudante e pode ser acessada aqui.

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