Carlos Wagner: “A história é uma preciosa fonte de informações para o repórter”
O premiado jornalista Carlos Wagner, editor do blog Histórias Mal Contadas, destacou, no final de novembro de 2018, na abertura do artigo intitulado Ao nomear o presidente da UDR para tratar de assuntos fundiários, o governo chama o MST para a briga, que “a história é a uma preciosa fonte de informações para o repórter.”
Veja a íntegra do texto:
“A história é a uma preciosa fonte de informações para o repórter. E costuma ser um atoleiro para o governante que a ignora. O que chamamos hoje no Brasil de agricultura familiar e de agronegócio são duas maneiras de produção agrícola que nasceram e se consolidaram em uma disputa por terra que teve o seu apogeu entre os anos de 1979 e 2003. Durante a Ditadura Militar (1964 a 1985), o governo adotou a estratégia para lidar com conflitos agrários: a colonização de novas fronteiras agrícolas. Na Nova República, como foi chamado o processo de redemocratização do país que se iniciou em 1985, o governo optou por desapropriar terras ociosas – pagando aos seus proprietários – para a reforma agrária. Essa disputa por terra envolve conflitos armados e grandes manifestações populares, que deixaram como rastro centenas de cruzes de pessoas mortas pelas estradas dos sertões brasileiros e dezenas de processos na Justiça. Duas siglas simbolizam essa época: UDR, União Democrática Ruralista, que organizou os proprietários de terra na luta contra a reforma agrária; e MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que articulou e organizou a disputa agrária.
A resposta que nós, repórteres, temos que dar ao nosso leitor é qual a influência que essa história vai ter no governo eleito do presidente da República Jair Bolsonaro. Vejamos o seguinte. O que aconteceria se o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP), no seu primeiro mandato (2003), tivesse nomeado para tratar dos assuntos fundiários o economista João Pedro Stedile, 64 anos, um dos fundadores do MST? A UDR teria trancado com maquinário agrícola as estradas, os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária fariam a maior lambança contra o PT, e nos, repórteres, chamaríamos Lula de incendiário. O nomeado para o cargo foi Miguel Rossetto, um político calejado em tratar assuntos explosivos.
O que vai acontecer agora com a nomeação pelo governo eleito do presidente da UDR, Nabhan Garcia, para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, do Ministério da Agricultura? Usando para descrever a situação a imagem dos agricultores: Bolsonaro vai assoprar as brasas que restaram entre as cinzas da época dos grandes conflitos agrários. Esses conflitos foram estabilizados graças à soma das políticas agrárias das colonizações das novas fronteiras agrícolas, feitas pelos militares, e das desapropriações de terras da Nova República, principalmente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB – SP) – 1995 a 2003 – e Lula – 2003 a 2010. Acrescente-se aí as políticas sociais, tipo Bolsa Família, créditos subsidiados, assistência técnica e programas educacionais. Hoje a agricultura familiar, onde estão incluídos os assentados pela reforma agrária, é uma potência na economia brasileira. E a maioria da proteína vegetal e animal consumida pelos brasileiros é produzida pelo agricultor familiar. O agronegócio é um dos esteios da economia de exportação do Brasil. Uma ironia da história. O coração do agronegócio é o Centro-Oeste, que nos anos 70 era chamado de novas fronteiras agrícolas, que foram colonizadas por sem terra do Sul do Brasil, principalmente do Rio Grande do Sul, levados pelos militares. Em 1993, eu tive uma longa conversa com o homem que planejou essa colonização, o então general de brigada Danilo Venturini (falecido 2015), que era o responsável pelo Programa Nacional de Política Fundiária na época do governo militar. A colonização do Meio Oeste não começou com os militares. Mas na Era de Getúlio Vargas (suicidou-se 1954) – há um vasto material disponível na internet.
Dentro desse contexto, a nomeação do Nabhan Garcia é como ressuscitar um dinossauro. Tudo que escrevi, alerto aos meus colegas jovens repórteres, não é opinativo. São fatos. Como repórter, estive presente na maioria dos conflitos agrários que aconteceram no Brasil de 1979 até o início dos anos 90. Assisti ao nascimento do MST e da UDR. Escrevi reportagens sobre os mortos e os feridos nesses conflitos. Algumas transformei em livros como A saga do João Sem Terra, Brasiguaios: Homens Sem Pátria e O Brasil de Bombachas. Estive na maioria dos assentamentos existentes do país. Muitos fracassaram. Mas a maioria prosperou, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Tornei-me referência em conflitos agrários porque fui testemunha dos acontecimentos e ampliei meu conhecimento lendo documentos e livros dos pensadores e das autoridades que acompanham a luta pela terra. A nomeação de Nabhan é cutucar onça com vara curta. É simples assim.“
O repórter Carlos Wagner trabalhou 31 anos no jornal gaúcho Zero Hora e conquistou, nesse período, mais de 30 prêmios de jornalismo. Autor de 17 livros, foi homenageado, em 2017, no 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). No evento, foi exibido o documentário intitulado Carlos Wagner, o repórter na estrada, dedicado a ele. Veja
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