História,  Jornalismo

Benjamin Day, o pioneiro editor das notícias falsas

Por Mauro César Silveira

Os mercadores de notícias falsas no nervoso cenário contemporâneo têm um antecedente de quase dois séculos de história: o norte-americano Benjamin Henry Day, que lançou, aos 23 anos, o jornal de The Sun, em Nova Iorque, no longínquo 3 de setembro de 1833. Nascido em Springfield, Massachusetts, ele rumaria, ainda menino, para a maior cidade dos Estados Unidos e se tornaria o pioneiro editor das chamadas fake news.  Quase dois anos depois da fundação do jornal, a partir de 25 de agosto de 1835, Benjamin Day apresentaria uma série de seis textos “reveladores” sobre a descoberta de vida na lua, multiplicando a tiragem da publicação e propagando versões fantasiosas que alcançaram diferentes quadrantes do mundo e ainda se mantinham no imaginário de muitas pessoas duas décadas mais tarde.

Imagem: Wikimedia Commons

O TIPÓGRAFO ANTES DO JORNALISTA

Sua trajetória começa bem cedo, aos 14 anos, quando o pai decide que ele aprenda o ofício de tipógrafo. Benjamin Day tomou gosto pela atividade e, algum tempo depois, seguiu para Nova Iorque, onde conseguiu emprego no Journal of Commerce. Aos 22 anos, montou sua própria gráfica, mas deparou-se com imensas dificuldades para viabilizá-la financeiramente. Foi, então, que começou a planejar o lançamento de um jornal de maior alcance, visando atingir um público mais amplo, constituído principalmente de trabalhadores e imigrantes de baixa renda. Uma ideia revolucionária: cada edição custaria um centavo, seis vezes menos que o preço das outras publicações já existentes. Foi o início da penny press, com agitados jornaleiros anunciando notícias pelas ruas mais movimentadas da cidade.

FIGURA DO REPÓRTER SURGE EM VIÉS SENSACIONALISTA

O The Sun nasce como uma síntese de informações publicadas por outros jornais, causando muita irritação na concorrência. Mas, aos poucos, toma feição própria: artigos sobre assassinatos,  tragédias e  rumorosos divórcios ganham suas páginas. Suicídios também passam a ser noticiados. Tudo sob a marca do sensacionalismo. Como resumiram Melvin Defleur e Sandra Ball-Rokeach no livro Teorias da Comunicação de Massa: “Benjamin Day encheu seu jornal com notícias de outros gêneros – relatos de crimes, estórias pecaminosas, catástrofes e outras desgraças. Para potencializar a fórmula, ele contratou um colega tipógrafo, George Wisner, para garimpar histórias de impacto na polícia. O número de leitores aumentou rapidamente e, em poucos meses, a publicação atingiu 4 mil exemplares. Outras pessoas foram contratadas para buscar informações em diferentes pontos de Nova Iorque. Foi o surgimento da figura do repórter, outra novidade da proposta.

Pintura de Benjamin Day de autoria desconhecida National Portrait Gallery/Smithsonian Institution

O irrisório valor cobrado por cada exemplar, no entanto, era insuficiente para cobrir todas as despesas do jornal. Benjamin Day teve, então, outra ideia inovadora: a comercialização de anúncios, esboçando as bases de um modelo de negócios que passaria a sustentar o jornalismo impresso industrial por muito tempo. O slogan da publicação, It shines  for all (brilha para todos), passaria a ser usado como elemento de atração do incipiente mercado publicitário. E surtiu efeito: em um ano de circulação com anúncios pagos, o The Sun já proporcionava lucro ao seu jovem editor. No texto de abertura da primeira coluna da primeira página do jornal, os anunciantes não eram esquecidos: “O objetivo deste jornal é apresentar ao público, a um preço acessível a todos, todas as notícias do dia e, ao mesmo tempo, oferecer um meio vantajoso para anúncios.

AS PRIMEIRAS FAKE NEWS

Com os bons resultados obtidos, Benjamin Day não se conteve em buscar, a qualquer preço, ainda mais leitores e leitoras. E imprimiu nas páginas do The Sun aquelas que são consideradas as primeiras falsas notícias em publicação que se apresenta como jornalística. Sob o ruídoso título “Grandes descobertas astronômicas feitas ultimamente por Sir John Herschel no Cabo da Boa Esperança“, o já popular jornal iniciaria, em 25 de agosto de 1835, com impressionantes ilustrações, a série de “reportagens” sobre a diversificada paisagem lunar: flores escuras, bisontes, cabras , unicórnios e humanóides alados em forma de morcego. Um cenário também formado por árvores, oceanos e praias. Imagens obtidas graças a um  “imenso telescópio de um princípio inteiramente novo” que o renomado cientista inglês John Frederick William Herschel teria utilizado na observação da lua. O editor não se constrangeu em atribuir a outra fonte respeitável as informações publicadas: abaixo do título, constava a indicação de que o material tinha origem no suplemento do Edinburgh Journal of Science, da Escócia. Tudo mentira. Mas que elevou a tiragem do The Sun para 15 mil exemplares, três vezes mais que os concorrentes de uma Nova Iorque de apenas 300 mil habitantes naquela época.

Reprodução: New England Historical Society

Os textos creditavam a maioria das informações a um certo Doutor Andrew Grant, “companheiro de viagem” do cientista John Herschel que nunca existiu. Na verdade, o autor da “reportagem” foi o jornalista Richard Adams Locke. Repórter e, depois, editor de Cidade do The Sun , ele admitiria publicamente ser o autor da peça ficcional em 1840, em uma carta ao semanário New World. Durante várias semanas, não se descobriu a falsidade dos textos e nem  o jornal se retratou depois que a verdade veio à tona. Inicialmente, Herschel se divertiu com o material, observando que suas próprias observações reais nunca poderiam ser tão emocionantes. Depois, passou a ficar irritado sempre que respondia a perguntas de pessoas que ainda acreditavam em tudo que o The Sun havia relatado. Mas quem se revoltou mais com a série foi o escritor Edgar Allan Poe, afirmando que a história tinha sido plagiada do seu conto The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall (A aventura sem paralelo de um tal Hans Pfaall), publicado, dois meses antes, em junho de 1835, na Southern Literary Messenger prestigiada revista de Richmond, Vírgínia, entre 1834 e 1864. Seu editor, na época, era  o mesmo Richard Adams Locke que confessaria em 1840 a autoria dos textos.  A série ficcional com aparência jornalística passou a ser conhecida, nos meios profissionais e acadêmicos, como The Great Moon Hoax of 1835 (A grande farsa da lua de 1835).

Benjamin Day vendeu o The Sun ao cunhado alguns anos depois. Com o dinheiro, comprou o Brother Jonathan, a primeira revista semanal ilustrada dos Estados Unidos, que editou durante 20 anos, de 1842 a 1862. Aos poucos, foi abandonando o jornalismo. A certa altura, admitiu que não era um grande editor de jornais e conseguiu transformar o negócio “mais por acidente do que por design.” Ele morreu na cidade de Nova York em 21 de dezembro de 1889, aos 79 anos. Mas as fake news continuam vivas. Muito vivas. Mais do que nunca.

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